Ouvi muito samba durante a pandemia. Era uma maneira de afastar as sensações ruins – medo, insegurança, apreensão – e de alimentar a expectativa de um amanhã mais promissor, sem as incertezas da Covid-19. Reservava as noites para mergulhar nos sons dos surdos, pandeiros e tamborins. Como tudo ficava silencioso e os temores – reais ou imaginários – cresciam, nada melhor do que o samba para animar, elevar o astral.
Ouvi sambistas do Rio de Janeiro, da Bahia, até de São Paulo. A tecnologia hoje garante a mágica do acesso fácil a canções que se perderam no fundo da memória. Construía, então, no presente, uma ponte entre a alegria do passado e um futuro menos aziago, sem pandemia, sem a extrema-direita no poder.
Mergulhei em clássicos como Cartola; revi Paulinho da Viola, Clara Nunes e Chico Buarque; enveredei pelos grandes sucessos dos anos 1980, com Agepê, Alcione, Beth Carvalho e Luiz Ayrão; reencontrei parte da infância na irreverência de Bezerra da Silva, no lirismo coloquial de Adoniran Barbosa; aqui e ali, dosei com o samba-de-roda do Recôncavo, com o samba mais duro do sertão. Foram noites, semanas e meses de redescobertas.
Aquelas incursões ofereceram uma visão da importância do samba para a cultura brasileira. Aliás, nossa cultura musical deriva, em grande medida, do samba. Mas isso é papo para especialista, musicólogo, o que não sou. É preferível ouvir e sentir o samba, vida que pulsa desde a África ancestral, desde os primórdios do Brasil.
A pandemia foi embora, mas a energia da morte ficou aí no ar. Pior ainda: ganhou expressão na guerra da Ucrânia e, agora, em Israel e na Palestina, trazendo mais instabilidades. No que vão dar esses conflitos simultâneos? Não existem respostas definitivas. Só existe a consciência da disposição beligerante no ar – até aqui no Brasil – e a apreensão decorrente das incertezas sobre o que virá.
É bom então, nos momentos de ócio, seguir ouvindo samba. Samba é vida no ritmo, no molejo de quem samba. Nada melhor do que samba para espantar a pestilência das matanças, dos terrorismos, dos genocídios. Sem contar que hoje é sexta-feira: mais um motivo para ouvir samba!
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