O canto do galo ressoou subitamente. Era madrugada. Sobre o concreto do casario, silêncio. Madrugada de janeiro. Com o canto vieram, então, lembranças repentinas. Primeiro, a letra de uma canção imortalizada por Clara Nunes: “Galo cantou às quatro da manhã…”. Depois, vagas recordações sobre a passagem bíblica da traição a Jesus Cristo, Pedro renegando o Messias, chorando em seguida, uma referência qualquer às três da manhã.
Não eram nem três, nem quatro da manhã. Precisamente 3h20, segundo me informou a voz feminina na Subaé AM, depois de uma canção antiga do A-Ha. O lamento – o tom do canto do galo era lamentoso – ecoou longe. À distância, outro galo respondeu. O primeiro persistiu, cantou de novo, mas o canto, para mim, perdera o encanto.
Sob o céu límpido – não havia um fiapo de nuvem sequer – identifiquei as luzes de um avião. Cortava os ares feirenses vindo do Nordeste (viria de Aracaju, de Maceió, do Recife?) e avançava num rumo indefinido: Belo Horizonte, São Paulo, Brasília? Gastei um tempo inútil especulando. Logo na sequência surgiu outro voo. Mas aquilo, como o canto repetido do galo, perdeu o ineditismo, a surpresa. Tornava-se, rapidamente, enfadonha rotina.
A madrugada avançava inquieta, como toda madrugada urbana. Sobretudo aos sábados, quando há ânimo, agitação, vozes. Mas a Feira de Santana segue esvaziada, o feirense curte as férias, as praias, foge do calor inclemente, da escandalosa luminosidade do verão sertanejo. Daí uma certa melancolia, a tristonha quietude.
Vivo – mesmo – só o céu noturno de verão. Nele as estrelas se destacavam e havia um quê de azul na escuridão, indefinível. Lembranças antigas surgiram, recordações de outros verões, de outros momentos da vida. Por um instante, as sensações pareceram estranhas, como se fossem de outra pessoa. Mas tudo passou.
É o primeiro texto do ano e quem lê perdoará a falta de propósito. Janeiro avança, o Carnaval se aproxima e, com ele, o começo do ano. Depois dele, é o momento de escrever sobre assuntos sérios, abordar temas sisudos, como as eleições municipais. Por enquanto, o ritmo é de férias. Como neste texto, que finda aqui.
- Não, não façam suas apostas - 28/09/2024
- Mulheres dependem mais do Bolsa Família em Feira - 24/09/2024
- A peleja dos “zés” e o destino do shopping popular - 23/09/2024