
Nos últimos anos, Moçambique tem sido repetidamente afetado por ciclones tropicais, que não só causam devastação imediata, mas também expõem a vulnerabilidade do país a fenômenos climáticos cada vez mais intensos. O Ciclone Chido, ocorrido em dezembro de 2024, e o Ciclone Dikeledi, que atingiu a região em 2025, são apenas dois exemplos mais recentes dessa série de desastres naturais que têm assolado o país. Tais ciclones não só causaram enormes danos à infraestrutura e ao meio ambiente, como também revelaram a negligência das autoridades governamentais, particularmente do partido no poder, a Frelimo, na resposta a essas crises.
A vulnerabilidade de Moçambique: Geografia e clima
Moçambique é um país situado no Sudeste da Áfrika, banhado pelo Oceano Índico, com uma extensa linha costeira que se estende por cerca de 2.700 quilômetros. Sua geografia, com vastas áreas costeiras e regiões baixas, torna o país extremamente vulnerável a ciclones tropicais, que se formam no oceano e, frequentemente, atingem a costa moçambicana com grande força. As províncias de Sofala, Zambézia, Nampula e Cabo Delgado, localizadas ao longo da costa, são as mais afetadas por esses fenômenos. A grande quantidade de rios e as baixas altitudes tornam as áreas costeiras particularmente suscetíveis a inundações, tempestades e danos significativos.
Impactos devastadores: A destruição de infraestrutura e vidas
O Ciclone Chido e o Ciclone Dikeledi causaram grandes destruições em várias províncias moçambicanas, com destaque para as províncias de Cabo Delgado e Nampula. Milhares de famílias perderam entes queridos e suas casas, incluindo o meu pai, que viu sua casa ser arrastada pelas águas e destruída durante o impacto do Ciclone Chido. As famílias afetadas, como a minha, enfrentam dificuldades extremas para se reerguer, com o apoio governamental escasso e insuficiente.
Além das perdas de moradias, a destruição das infraestruturas públicas foi alarmante. Escolas, hospitais, postos de saúde e outras instalações essenciais para a vida das populações foram gravemente danificadas ou destruídas. Isso compromete o acesso à educação, à saúde e a outros serviços básicos. Muitas crianças ficaram sem escolas, e famílias inteiras perderam a capacidade de acessar cuidados médicos devido ao fechamento ou destruição de unidades de saúde.
O Ciclone Idai, que devastou o centro de Moçambique em março de 2019, serve como um lembrete trágico da frequência e da intensidade desses desastres. Idai causou milhares de mortes e destruiu cidades inteiras, como Beira, em Sofala, a quarta maior cidade do país. O impacto de Idai foi um alerta para a necessidade urgente de adaptação às mudanças climáticas e de um sistema de resposta mais eficiente a desastres.
A negligência do governo: Frelimo e a falta de resposta
A resposta do governo de Moçambique, liderado pela Frelimo, tem sido marcada por uma clara negligência em lidar com os efeitos desses ciclones. Apesar de as previsões meteorológicas anteciparem o impacto de ciclones como Chido e Dikeledi, o governo não conseguiu fornecer apoio suficiente às vítimas, especialmente nas áreas mais afetadas. Em vez disso, a assistência tem sido insuficiente, e muitas vezes chega tardiamente. A falta de uma estratégia eficaz de mitigação e adaptação às mudanças climáticas tem deixado a população vulnerável à intempérie e à falta de infraestrutura para enfrentar esses fenômenos.
É evidente que a política de mitigação e resposta ao impacto das mudanças climáticas não tem sido prioridade para a Frelimo, que está mais preocupada com questões partidárias e de poder do que com o bem-estar das pessoas. A gestão inadequada dos recursos destinados à reconstrução e ao auxílio à população afetada tem gerado desconfiança e frustração, além de evidenciar a falta de uma verdadeira política pública voltada para a proteção e resiliência das comunidades. Em contrapartida, a UNICEF Moçambique tem desempenhado um papel crucial na prestação de assistência emergencial, incluindo suprimentos médicos, alimentos e abrigo temporário para crianças e suas famílias.
Impactos nos Ecossistemas e Populações
Os ciclones não apenas devastaram a infraestrutura, mas também tiveram impactos profundos nos ecossistemas locais. Florestas foram derrubadas, habitats naturais destruídos e a biodiversidade ameaçada. As populações afetadas enfrentam desafios significativos, incluindo a perda de meios de subsistência, como agricultura e pesca. A vida cotidiana e a cultura das comunidades locais foram profundamente afetadas, com tradições e modos de vida interrompidos pela necessidade de residência e adaptação.
Impactos sociais e culturais
A devastação causada pelos ciclones não afeta apenas a infraestrutura física, mas também molda profundamente a vida e a cultura das populações moçambicanas. As comunidades que já enfrentam condições precárias de vida se veem ainda mais vulneráveis à perda de seus meios de subsistência, como a agricultura, que é uma das principais fontes de renda e sobrevivência. A destruição das lavouras, das vias de transporte e das infraestruturas comunitárias faz com que muitas famílias se vejam forçadas a abandonar suas regiões e se deslocar para outras áreas, exacerbando a crise humanitária.
Além disso, a perda de tradições culturais e a desestruturação social causada pela perda de lares e de infraestruturas comunitárias impactam negativamente os modos de vida de muitas famílias. A luta pela sobrevivência tem sido diária, e as vítimas de ciclones, como meu pai, enfrentam uma reconstrução não só física, mas também emocional e cultural.
Estratégias de mitigação e adaptação
Para mitigar os impactos dos ciclones e adaptar-se aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, penso que, é fundamental que o governo de Moçambique, em conjunto com organizações internacionais e a sociedade civil, implemente políticas eficazes. A construção de infraestruturas mais resilientes, como habitações e hospitais que possam suportar as condições adversas dos ciclones, é uma das medidas essenciais. Além disso, é necessário fortalecer os sistemas de alerta precoce e de resposta a desastres, além de garantir que a população tenha acesso a informações claras sobre como se proteger e se preparar para eventos climáticos extremos.
A educação sobre mudanças climáticas deve ser uma prioridade, tanto nas escolas como nas comunidades, para que as pessoas compreendam melhor os riscos e as formas de adaptação. Ademais, políticas de reflorestamento e preservação dos ecossistemas costeiros, como os manguezais, são fundamentais para mitigar os impactos de inundações e tempestades.
Conscientização e mobilização social
Dessa forma, é crucial que a sociedade moçambicana se mobilize para exigir mais ações do governo. A conscientização e a politização das questões climáticas devem ser reforçadas para que a população compreenda que os desastres climáticos não são meros acidentes naturais, mas sim o reflexo das mudanças climáticas globais e da falta de políticas públicas adequadas para enfrentar esses desafios. A participação ativa da sociedade civil e o engajamento de organizações internacionais, como a UNICEF, são essenciais para pressionar o governo a adotar medidas mais eficazes.
É de ressaltar que, a luta contra os ciclones e seus impactos em Moçambique passa também por um movimento de conscientização política, para que os governantes reconheçam a gravidade da situação e tomem as providências necessárias. A tragédia que acometeu meu pai e tantas outras famílias precisa ser um ponto de virada para a adoção de políticas mais eficazes e justas. A negligência do governo e a resposta crucial da UNICEF Moçambique sublinham a importância de uma abordagem coordenada e inclusiva. Através da conscientização, politização e envolvimento dos mais atores sociais, não há dúvidas que Moçambique pode construir uma resiliência maior e proteger seus ambientes e ecossistemas contra futuros desastres.
Em última instância, a resposta aos ciclones e à mudança climática deve ser mais do que uma simples questão de ajuda humanitária, deve ser uma questão de justiça social e responsabilidade política. É hora de Moçambique se unir para enfrentar os desafios climáticos com solidariedade, compromisso e ação concreta, outrossim, a questão política, econômica e social etc.
Foto: UNHCR/Isadora Zoni