
Para que se faça poesia,
Para que se escreva uma única linha,
É necessário, essencial, imprescindível,
Deitar-se.
Deitado,
sobre o mundo que crio com as palavras,
Olho para cima.
O teto não está mais lá.
Olho, na verdade, para o céu.
Ah, entendi!
São sempre as estrelas.
“Ora, direis, ouvir estrelas?”
Não.
Converso com elas.
Todas as vezes que vou ao litoral sinto a brisa do mar, que derrete toda a minha tristeza.
Sempre mergulho na água salgada, que oxida lentamente a alegria que porventura havia.
Prostrado nas falésias, sinto o sol do hemisfério sul arrancar de meu espírito tudo aquilo que me faz ser eu.
Todas as vezes que vou ao litoral os elementos reformulam o meu ser.
E eu, que já não sou, gozo junto ao grunhir dos pássaros por estar no mundo.
Pensando bem, já não deveria escrever mais nada.
Tudo o que foi escrito, para quê?
Tudo o que pode ser dito, se dirá?
Pensando bem, deveria escrever o mundo.
Não esse mundo da Arcádia,
Ou dos complexos sofrimentos fingidos,
Do pensamento abstrato, da metafísica, da ausência dela.
O mundo.
O mundo que se mostra para mim.
O mundo das flores,
Do cheiro molhado,
Dos cachorros que latem e nisso acompanham as crianças que correm:
Olha lá! Onde já estão!
Mal consegui alcançar.
E nisso corro mais ainda, por todo o mundo.
Correndo, deixo que a brisa sussurre o que poderia ser dito.
Corro. Corro. Corro.
Não paro.
Não canso.
Corro. Corro. Corro.
E já não escrevo.
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