Domingo, eu fui o último da minha casa a votar. Acordei umas 10h da manhã. Minha mãe estava voltando. Ela me perguntou em quem eu iria votar, mas eu não disse. Até então, não tinha certeza do voto dela. Só de um: Luiz da Feira para deputado estadual.
Minha mãe, como a maioria das pessoas pobres, vota em quem mostra a cara e faz alguma coisa por elas. Esse Luiz da Feira é parceiro dos comerciantes da Salles Barbosa. Está intermediando a realocação da galera pro Shopping Popular no Centro de Abastecimento. Ele era da base do José Ronaldo. O advogado dos comerciantes, Magno Felzenburg, também era candidato ao mesmo cargo.
Minha mãe pediu para eu votar em um dos dois. Porém, tem um detalhe: Felzenburg era do PSL, partido do Bolsonaro. Eu não disse nada a ela sobre isso. Entendam: eu moro há 23 anos com meus pais. Eu conheço os coroas. Eu sabia que ela faria algo.
Dito e feito.
Antes de votar, ela riscou o 17 do santinho. Porque ela viu que o 17 era do Bolsonaro.
Mas voltemos ao domingo.
Meu pai chegou em casa antes de eu ir votar. Ele me perguntou: “é Haddad hoje, gatão?“. Eu respondi “vou de Ciro”.
Depois que voltei pra casa, perguntei a minha coroa em quem ela havia votado.
“Eu votei no PT, só pra não votar nesse miseravi do Bolsonaro. Eu olho pra cara desse homem e já vejo a ditadura. Ele é do Exército, não é? Tá escrito na Bíblia que, no fim dos tempos, não vai ter governo. E quando não tem governo quem é que toma conta, não é o Exército?”.
Minha mãe é de 64. Meu pai de 61. Os dois viveram a infância nos anos mais duros da ditadura, e se mudaram pra São Paulo em um período em que a democracia já era um sonho possível. Eles passaram pela morte de Tancredo, governo Sarney, queda do Collor, privatizações do FHC e governo Lula.
Meus coroas são um livro de história moderna.
Quando ia pro ECASSA, meu local de votação, encontrei uma menina com santinhos perto da minha casa. Ela me perguntou se eu já tinha candidato, eu disse que sim. Então ela falou “Bolsonaro ou Haddad?”, e eu falei “só não voto no Bolsonaro”.
Ainda no domingo, saí de tarde. Encontrei Dalton. Ele é uma das figuras mais icônicas do Parque Lagoa, cabeleireiro há anos. Dalton é um negão de quase 1,90m de altura e seu peso tá na casa dos 3 dígitos, mas não é gordo. Perguntei a ele o voto e ele disse “Haddad. Tu é doido, votar no Bolsonaro!”.
Na volta, no ônibus, conversei com Janete. Ela é cobradora nas linhas de ônibus do meu bairro. Ora pra Fazenda, ora pra Praça. 80% das urnas estavam apuradas, o medo da vitória do Bolsonaro ainda era grande. Ela disse:
“Votei no Haddad. Eu acho assim, Alan, tem umas coisas nesse Bolsonaro que eu não entendo. Isso de matar viado, mesmo. Tem velho que é descarado, que não sobe mais e vira. Mas tem pessoas, gente, que já nasce! É da pessoa isso, tá me entendendo? Foi Deus quem fez a pessoa assim, vai fazer o que? Matar? Tá vendo que isso não tá certo”.
Hoje, na agência que eu trabalho, conversei com Edileuza. Ela é quem faz a limpeza, uma vez na semana. Edileuza lavou minha louça duas vezes sem eu ver. Eu disse a ela que não era trabalho dela fazer isso. Viramos amigos. Hoje foi o dia dela fazer a faxina. O que ela realiza no intervalo do outro emprego dela, em troca de uns trocados. Ela passa um dia da semana sem almoçar. Conversando com ela hoje, perguntei sobre as eleições.
“Eu votei no Haddad. Mas acho que vou votar no Bolsonaro, nesse segundo turno.”
“Oxê, por que, mulher?”
“Eu não sei. Eu sempre votei no PT, sabe? Mas cada um fala uma coisa, a gente nunca sabe de nada.”
Foi a primeira vez que alguém tinha falado em mudar o voto dessa maneira. Eu tinha que fazer algo.
“Edileuza, na dúvida, vai pro menos ruim. Quem é o menos ruim?”
Ela só deu um sorriso. Já sei em quem ela vai nesse segundo turno.
O que fez essa e outras milhões de pessoas depositarem sua confiança em Haddad não foram as propostas, serem nordestinas, nem nada disso. Foi um sentimento de reafirmação da esperança em um país onde as pessoas menos favorecidas possam ter expectativa.
Hoje, sou formando em jornalismo. Entrego TCC dia 3/12. Bolsista integral do ProUni, cotista por baixa renda.
Eu tenho um acesso a informação, e informação de qualidade, que nenhuma dessas pessoas que citei tem. Conheço pessoas, estudei situações, li livros, vi filmes, enfim, acumulei diversas experiências que me criaram senso crítico o suficiente para não escolher, sob nenhuma hipótese, o Bolsonaro.
Mas nenhuma delas precisou disso. Porque, no fundo, elas sabem que a democracia, na pior das hipótese, é n vezes superior ao fascismo.
Dia 28, eu vou de Haddad. E eu, meus coroas, Dalton, Janete e Edileuza teremos muito o que conversar.