A pandemia do novo coronavírus, que assola o mundo nos dias atuais, levantou diversas discussões – entre elas, a relação entre economia e saúde, bem como qual delas deve ser prioridade nesta crise, em termos de política pública. Modelos teóricos de economia incluem a saúde como componente do capital humano – essa determina a produtividade do trabalhador que, por sua vez, afeta os salários. Afinal, trabalhadores mais saudáveis, tudo o mais constante, produzem mais e ‘melhor’ para um dado intervalo de tempo. Da mesma forma, é possível perceber que existe também uma relação de causalidade reversa entre ambos: salários reais maiores, melhoram a saúde dos trabalhadores pois estes aumentam seu bem estar de forma tal que afete positivamente sua saúde.
Entretanto, o debate acerca da relação entre economia e saúde hoje se concentra entre alguns economistas, e especialmente no Governo Federal, em uma relação negativa entre ambas as áreas – a ideia de que as medidas que visem achatar a curva de contaminação pelo vírus da Covid-19 (e, portanto, preservar a saúde das pessoas) podem gerar uma retração econômica cujo efeito seja pior do que a crise sanitária per se. Nesta linha, o Presidente e um grupo de empresários foram ao STF pressionar para a ‘reabertura’ da economia, alertando sobre a “morte dos CNPJ’s” caso as medidas protetivas de isolamento continuem.
Estudos empíricos mostram que, durante crises, como foi o caso da Grande Depressão, a relação positiva entre saúde, produtividade e salários tende a desaparecer. Isso ocorre porque o aumento da incerteza no mercado de trabalho combinados com reduções no emprego e nas proteções ao desemprego podem levar os trabalhadores doentes a irem trabalhar; gerando o fenômeno conhecido como presenteísmo – estar de corpo presente no trabalho, mas não ser produtivo. Tal consequência pode, no curto prazo, atenuar os efeitos da saúde precária na redução dos salários. De maneira contrária, trabalhadores saudáveis – portanto, mais produtivos – podem ser prejudicados devido a redução de oportunidades de promoção – dentre outras, forma pela qual se aumenta os salários.
Paralelarmente, fica claro que o afrouxamento das medidas de isolamento não parece ser a bala de prata para a retomada da economia enquanto a contaminação pelo coronavírus for alta. Afinal, mesmo que a economia reabra, a probabilidade de doentes irem trabalhar (sem o correspondente da produtividade) para manter seus empregos é tanto mais quanto mais se alastra a crise sanitária – situação inevitável, segundo infectologistas, se as restrições de distanciamento forem pouco implementadas. Além do custo relacionado ao risco de contaminação, trabalhadores saudáveis enfrentarão um congelamento de salários, o que frusta suas produtividades.
Produtividade menor, produção menor, renda menor.
Nos EUA, estima-se que os trabalhadores infectadas pelo H1N1 durante a epidemia e que continuaram a frequentar seus ambientes de trabalho tenham contaminado 7 milhões de colegas de trabalho, correspondendo a 15% das infecções em três meses durante o auge da contaminação em 2009. Estudos recentes apontam que os custos para indivíduos e sociedade decorrentes do presenteísmo são grandes e muito maiores que os do absenteísmo (ausência do funcionário no ambiente de trabalho).
Percebe-se, dessa forma, que acabar com o isolamento social poderá ser tanto pró-cíclico quanto mantê-lo na pandemia atual com resultados deletérios pra economia no longo prazo.
No relatório do FMI deste mês de maio, constam projeções do PIB deste ano para diversos países. Entre elas, a projeção do PIB da Suécia prevê retração de 6,8%, país que não aderiu ao rigoroso isolamento social (ou lockdown) como estratégia de combate à pandemia. Tal estimativa vai em linha com países semelhantes mas que aderiram ao lockdown, como a Noruega (6,3%) e a Dinamarca (6,5%). Existem fatores culturais e econômicos que podem explicar a projeção do País sueco: lá, as pessoas têm maior capacidade de praticar o auto isolamento mesmo sem determinação governamental, causando redução da atividade econômica.
Apesar das diferenças gritantes entre a Suécia e o Brasil, é absurdo pensar que aqueles que poderão cumprir com as medidas protetivas recomendadas por epidemiologistas não o farão mais devido ao afrouxamento do distanciamento social – mantém-se, por parte desse grupo, dessa forma, baixa demanda por produtos e serviços. Aos que não poderão, devido diversos fatores socioeconômicos, têm-se os efeitos mencionados acima a respeito da produtividade em períodos de crise além de uma redução natural da demanda por produtos e serviços não essenciais.
Crises, especialmente como a da Covid-19, tendem a aumentar o peso da variável saúde na determinação dos salários o que se reflete na renda – entretanto, diminuindo ou acabando com a relação positiva entre ambos. Aos que alertam a morte dos CNPJ’s, por conta das medidas de restrição de mobilidade, iludem-se – pois com ou sem elas, os impactos econômicos tendem a ser catastróficos enquanto o vírus for uma ameaça.
Foto: Paulo José/Acorda Cidade
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