Existem coisas que simplesmente reproduzimos sem pensar ou questionar, pois, como sempre fizemos de tal forma, nos parece natural continuarmos fazendo. É o caso de estacionar o carro no encostamento da rua sem nenhum custo monetário direto. Afinal, normalizamos a ideia de que o direito de propriedade de transitar nas ruas é primeiro dos automóveis. Entretanto, é preciso dizer que, apesar de não existir na maioria das vezes um custo financeiro associado para estacionar na rua o carro particular, por exemplo, existe um custo social enorme neste tipo de opção de política pública.
Na economia, o conceito de custo de oportunidade nos ajuda a entender esta questão. Ele é definido como o custo de algo em termos da melhor oportunidade renunciada. Ou seja, o custo de se destinar parte do espaço público para que automóveis estacionem gratuitamente, é o custo de não se ter calçadas mais largas, ciclofaixas, corredores de ônibus, arborização. Vale destacar que parar nosso carro na rua, mesmo que momentaneamente, é como privatizar o espaço público que deveria ser de todos e que, assim, poderia ser alocado para usos de maior interesse social. A “gratuidade” do estacionamento em vias públicas funciona, dessa forma, como um subsídio aos carros e às viagens de carros.
Se encarássemos os altos custos associados a destinar tanta terra a estacionamentos gratuitos, o número de vagas seria resultado de um cálculo econômico e não apenas de cumprimento a uma “norma” social ou requisitos legais, como mínimos de vagas em determinadas construções. Dessa forma, haveria menos vagas disponíveis e, provavelmente, ela teria um preço, tornando as pessoas mais atentas sobre quando e onde dirigir.
Além de benefícios diretos ao trânsito, como diminuição do tráfego resultado de menos pessoas procurando uma vaga gratuita para estacionar, existem outros indiretos associados a maior qualidade do ar e a menor poluição sonora visto que mais motoristas, ao encarem maiores custos, optariam se locomover por meios mais baratos.
Em seu livro intitulado The high cost of free parking (“O alto preço do estacionamento gratuito” – tradução livre), Donald Shoup estimou, para a economia americana, o valor do subsídio total ao uso de automóveis dado pela oferta gratuita de vagas para estacionar na rua ou em edifícios e chegou em um valor de cerca de 2% do PIB dos EUA ao ano.
A questão se torna ainda mais urgente em um contexto de emergência climática em que a redução das emissões de gás carbônico, gás eliminado pelos veículos a combustão, é imperativa. Neste contexto, seria interessante e necessário internalizar o custo de estacionamento no custo total de utilização do automóvel – em outras palavras, expandir iniciativas como a Zona Azul, por exemplo. Para incrementar esta política, é possível estabelecer preços dinâmicos seguindo a lei da oferta e da demanda por vagas e reduzir a tarifa cobrada para moradores da rua ou do bairro em que o sistema de estacionamento rotativo pago opera. Em Feira de Santana, a Zona Azul está em vias de implementação.
Por fim, a receita oriunda dessa política pública poderia ser destinada ao financiamento da expansão de ciclofaixas e bicicletários, faixas exclusivas de ônibus e investimentos em calçadas mais largas e inclusivas. Mudar a mentalidade sobre alocação do espaço urbano é necessária, mas não é simples. É preciso, sobretudo, vontade política para mexer em incentivos que estão há muitos anos moldando o comportamento dos cidadãos.
Para saber mais sobre o assunto, ver o livro: Nem negacionismo nem apocalipse, economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira, de Gesner Oliveira e Artur Villela Ferreira.
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