Por que algumas pessoas cometem crimes e outras não? Segundo Gary Becker, pai da economia do crime, a razão não se deve a diferenças em motivações básicas ou morais – mas pelo fato de que elas encaram diferentes custos e benefícios.
Os ganhos ou benefícios relacionados ao crime podem ser materiais ou psicológicos. Os ganhos materiais podem ser ganhos monetários obtidos de roubo, fraude, venda de drogas e os ganhos psíquicos podem ser desde preferência pelo perigo até satisfação de um desejo. Da mesma forma, têm-se custos materiais, psicológicos, custo esperado de punição e custo de oportunidade. O custo de oportunidade está associado ao benefício líquido de outras atividades legais, ou seja, quanto maior ele for, maior o custo de se envolver em uma atividade ilícita específica.
O custo esperado da punição, por exemplo: 5 anos de prisão, é ponderado pela probabilidade de ser pego e, em caso de ser pego, pela probabilidade de ser condenado. Encarando custos e benefícios esperados, o indivíduo poderá ou não participar do ato ilícito.
Neste contexto, desenvolve-se a teoria sobre aplicação da lei (law enforcement, em inglês). Ela se baseia na ideia de que a justiça é eficiente para dissuadir atos criminais. Assim, uma das formas de coibir o crime é “mexendo” na função de custo esperado dos criminosos – por exemplo, aumentando a probabilidade de ele ser pego ou aumentando a magnitude da punição. Para aumentar a probabilidade de ser pego, ‘basta’ colocar mais policiais na rua, por exemplo.
Fica claro, portanto, que a forma como o regulador vai atuar impacta diretamente no nível de criminalidade. Observe o caso do desmatamento ilegal na região da Amazônia. Depois de um conjunto de políticas integradas de monitoramento e fiscalização postas em ação em 2004, o desmatamento caiu progressivamente até 2012 – quando atingiu seu mínimo histórico. A queda impressionante em 84% dos níveis de destruição florestal no período foi sucedida por um novo ciclo de aumento do desmate – até hoje em vigor. Esse ciclo de alta, em parte, é explicado por uma mudança de postura dos órgãos de fiscalizadores, como o IBAMA.
A instituição é peça-chave para entender o papel do regulador no nível de performance ambiental na região. Primeiro, é importante considerar que o INPE monitora via satélite e envia, diariamente, alertas de desmatamento para o IBAMA. O IBAMA, ao receber estes alertas, vai até o local do crime e autua o criminoso. Claro que existem uma série de dificuldades durante este processo: (1) o tempo de consolidação das imagens, envio/recebimento delas e deslocamento até a cena do crime, (2) limitações orçamentárias podem implicar em poucos técnicos para fiscalizar milhares de km² de floresta, (3) assimetria de informação: no caso do desmatamento, mesmo hoje com rastreamento via satélite, fatores como cobertura de nuvens atrapalham a perfeita observação das áreas florestais em processo de destruição. Mas mesmos com essas falhas, o Brasil havia conseguido drasticamente reduzir o desmatamento.
Entretanto, a partir de 2015/2016 ocorreu um descolamento (gráfico ao lado) entre o nível de desmatamento e a atuação do regulador. A despeito do aumento anual nas taxas de desmatamento verificado a partir de então, as multas totais aplicadas pelo IBAMA caíram continuamente. Ou seja, o IBAMA se tornou menos responsivo ao crime nas florestas e, como numa bola de neve, diminuiu a função custo esperado dos criminosos – tornando a máxima de que o “crime compensa” ainda mais verdade na região.
O que pode ter acontecido com o regulador a partir de 2015/2016 tem um conjunto de explicações: ingerência política dentro da liderança da instituição para enfraquecer o órgão, queda orçamentária devido à crise econômica iniciada em 2014, mas também mudança de prioridade pelo governo federal; desmonte das instituições de comando e controle etc.
O Brasil precisa voltar a apostar que a justiça, no papel do regulador, é de fato eficiente na dissuasão de crimes. Isso é urgente, especialmente no contexto do desmatamento – pois vai em caminho oposto ao da mitigação das emissões de gases de efeito estufa e, portanto, ao caminho da transição para uma economia sustentável.
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