Leio sites, vejo lives, ouço reflexões sobre a pandemia e fico com a impressão que quando eu sair e caminhar pela estrada da Matinha o mundo já não será o mesmo, e tudo, gente e coisas, estarão tão modificados que não me reconhecerei como morador da Feira de Santana que eu conheço, mas de algum local intergaláctico habitado por um povo redimido por uma doença avassaladora e letal. Um povo feito de solidariedade e esperança e uma cidade fluida e amorosa.
Ontem mesmo imaginei a Feira com sorridentes bicicletas circulando pelas suas vias, e pedestres bucólicos sentados em suas praças, meditando, enquanto o samba de roda ecoava pelos corredores dos bancos e das repartições públicas que não eram mais motéis. Nenhuma buzina estridente, nenhum larápio à espreita, nenhum comerciante roubando nos juros e no crediário, e as ruas tomadas por pedestres tranquilos e com a felicidade estampada nos rostos. E o melhor, as feirinhas brilhando de frutas frescas e pessoas despreocupadas com o rapa negociando produtos pelas ruas sem veículos. O BRT com ciclovias visíveis e ônibus climatizados. O shopping popular, sim o de Elias, reprojetado para não ser o formigueiro dos mercados indianos…sem falar na política, nos poderes, ah! a política…essa eu nem lhe falo, caro leitor, cara leitora…
No início dessa moléstia, um homem de bens me dizia demonstrando estar livre do pecado da soberba, humilde como um samaritano: esse vírus tornou todo mundo igual…não existem mais diferenças, não adianta ter veículo se não podemos ir a lugar nenhum, nem dinheiro se não podemos gastar…
A utopia está instalada mesmo nas reflexões com ares acadêmicos e empáfia de digital influencers (ah, essas palavras obrigatórias….!) que pululam nas mídias eufóricas. A maioria delas, das reflexões, é inatingível para meu curto conhecimento mas eu sinto nelas que a superação das diferenças, o fim do racismo,as cidades inteligentes, e tantos outros conceitos e raciocínios nessa linha serão o saldo dessa paralisia e distopia (outra palavra na moda, arre diacho!) que o vírus trouxe. As estátuas caem nos EUA e na Europa, São Paulo ameaça a de Borba Gato, Queiroz foi preso e a saúde mental nunca foi tão enaltecida e socorrida por tantos especialistas… Os que escaparem, sairão mais sadios dessa doença, parecem dizer todos e todas (que chatice falar assim….!).
Mas quando ponho os pés fora de casa, a jaqueira da minha vizinha me traz de volta ao meu mundo real. Sim, isso mesmo, uma jaqueira, imóvel, muda, plantada à beira do asfalto por onde passam viventes desse distrito rural. Quando olho seus galhos sombreando o caminho, é como se ela me dissesse, parodiando o Eclesiastes no linguajar do velho bêbado e amigo Jatobá: não há porra nenhuma de novo sob esse sol…! Mesmo que esteja chovendo, pois a Matinha, vocês sabem, é chovedeira!!
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