Os bois esparramando a tarde dengosa de Jaguara, na quietude vespertina de sol e verdames. O sacolejo da estrada me devolve a 20 anos e eu procuro as pessoas que fui buscar lá e não encontro mais. Ou porque se foram, ou porque a tarde é longe de tudo. Ou porque há certa precariedade desapiedada nos olhos cansados de toda busca. Altivos, os flamboyants emprestam seu rubro à placidez e caminhos laterais se perdem pelos corredores adentro, com meninos de farda branca empoeirados, descendo pra suas casas de depois das serras, no fim de caminhos insuspeitos.
E o Jacuípe se derramando, pedra e água de outros tempos, no fluir antigo. As garças, leveza de deuses emprestada aos bichos, se apinham na taipoca velha e desfolhada da curva da estrada e eu penso que a única coisa que permite tanta leveza é que elas não sabem dos deuses e dos homens. As garças também ignoram as dores da cabocla preta que volta do rio com um punhado de peixe nas costas e a boca silente de outros cansaços. Também não sabem que os homens depois da cancela têm vida magra numa terra de bois gordos e de donos que cercam a terra de gado por não gostarem de gente. Desonestos, os touros se ameaçam na refrega dos machos e há despudor em seus lombos de pura brevidade.
Outro sacolejo nas pedras que as chuvas de janeiro arrancaram à terra. A velha kombi de professores serpenteia estrada adentro, deixando pra trás povoações feitas de sol, pobreza e poeira. Como há duzentos anos. Como no fundo do Brasil. Como nos profundos do grotão das almas aquietadas. Me ajeito no banco e as mulheres com seus feixes de lenha na cabeça lembram minha mãe. E me lembram que sou desse lugar. E que nessa geografia o sol se põe atrás de tempos que desenharam morros encravados na solidão e no abismo. Lá fora, as cercas correm no giro agônico do carro. Sou estrada e poeira e imensidão. E Jaguara é o eterno retorno de uma terra que não se mostra nem se esconde. Eternidades.
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