Talvez o maior desafio que tenhamos enquanto nação nesta década seja a transição climática justa. O Brasil, no início deste século, demonstrou que é possível construir políticas efetivas e consistentes na pauta ambiental, mas desandou com o passar dos anos. Se entre 2004 e 2012, o País reduziu o desmatamento ilegal em 80%; a partir de 2013, a história tem sido outra. É a história de sucessivos incrementos nas taxas anuais de destruição florestal como consequência de lucrativas operações de desmatamento que, progressivamente, se expandem na Amazônia.
No capítulo 13 do livro Reconstrução: o Brasil nos anos 20, a Natalie Unterstell e Gustavo Tosello Pinheiro, sugerem que o Brasil se acomodou na falsa ideia de que já seria uma potência ambiental por suas características geográficas e climáticas favoráveis a uma economia de baixo carbono. Apesar desta narrativa, difundida dentro do próprio governo na época, o Brasil nunca de fato integrou a agenda climática à estratégia de desenvolvimento econômico.
A partir de 2010, o descobrimento do pré-sal e sua subsequente exploração foram defendidos como o “passaporte” do Brasil para o futuro. Sob esta lógica, a Petrobrás, então, passou a direcionar seus investimentos para o setor de petróleo e gás, comprometendo os recursos necessários para desenvolver o mercado de fontes de energia renováveis. Hoje, dos 55 bilhões disponíveis para investimentos entre 2021 e 2025, apenas 1 bilhão é destinado para energias limpas de baixo carbono, caminho que vai na contramão de outras empresas do mesmo setor.
No artigo, Unterstell e Pinheiro trazem quatro razões principais do porquê o Brasil não é uma liderança climática. A primeira é a mais óbvia: o desmatamento ilegal que representa hoje a maior fonte de emissões de CO2 no País. Segundo os autores indicam, o desmatamento não é causado pela pobreza, mas sim por operações organizadas e capitalizadas que visam escala e obtêm lucratividade com o crime ambiental. Adicionalmente, a grilagem de terras impulsiona a destruição florestal e a pecuária seria a consequência e não a causa direta dessas ações criminosas.
A segunda razão que faz o Brasil não ser uma potência no clima seria a fossilização, impulsionada pela descoberta do Pré-sal e a negligência da Petrobras em investimentos de baixo carbono. Terceiro, para piorar a situação, o Brasil tem aumentado a produção de energia oriunda de carvão e gás natural como resposta às crises hídricas dos últimos anos – um processo que os autores chamam de carbonização. Finalmente, a não eletrificação do transporte de passageiros e de cargas impede uma diminuição substancial no consumo de combustíveis fósseis.
Todas essas razões sumarizam muito bem os principais desafios da transição para uma economia descarbonizada – mas ‘apenas’ tratam do lado da mitigação. No âmbito da adaptação climática, valeria a inclusão no livro de um capítulo dedicado ao tema, principalmente, focando nas cidades. Pois, não será o Brasil uma liderança na pauta se cada evento climático extremo significar também um desastre humanitário – como tem sido com as chuvas torrenciais e secas prolongadas.
Para finalizar, o artigo propõe diversas ações/políticas públicas para a reconstrução (e construção) desta necessária agenda pró-clima. Entre elas, vale destacar uma específica: “fortalecer o federalismo e alinhar incentivos”. Neste tópico, sugere-se a criação de um Sistema Único Ambiental em que estados e municípios sejam recompensados pelos resultados alcançados na redução da perda florestal via estímulo financeiro e incentivo político.
Os governos subnacionais teriam liberdade em definir o plano para alcançar esse objetivo, levando em consideração as especificidades de cada região e, assim, seriam premiados por seus resultados (menor desmatamento ou mais cobertura vegetal). Como critério para o pagamento pelos resultados, estes seriam comparados àqueles de seus pares.
Valeria também incluir nos critérios de pagamento quanto o estado ou município avançou em relação ao seu próprio resultado do período anterior – dessa forma, estados com menos recursos não “desanimariam” na positiva competição com estados de economia mais robusta que, por isso, teriam maior capacidade de investimentos na redução do desmatamento ilegal.
O livro é um chamado à discussão e à implementação de projetos sérios e comprometidos com necessidades reais da população brasileira, mas sem deixar de estarem conectados com uma agenda global de sustentabilidade climática. O capítulo escrito por Unterstell e Pinheiro é didático na contextualização e inteligente das propostas – recomendo a leitura.
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