Na última semana vazou um rascunho do programa de um possível Governo Federal do ex-Presidente Lula que, hoje, lidera as pesquisas de intenção de voto. O documento tem 17 páginas e 90 diretrizes.
Dentre os diversos assuntos de interesse da sociedade, o referente às mudanças climáticas aparece no programa, mas mais de forma dispersa entre às várias propostas – apesar de haver um tópico específico sobre o tema. Logo no início é firmado um compromisso com o “desenvolvimento econômico sustentável” e, em seguida, com “a sustentabilidade socioambiental e com o enfrentamento das mudanças climáticas” como parte de um ‘contexto global” de enfretamento a esta crise.
No programa, fala-se de “cuidar das riquezas naturais”, “fazer uso racional dos recursos”, “produzir e consumir de forma sustentável”, “mudar o padrão de consumo de energia no país”, construir “sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis”, avançar na “transição ecológica e energética” e estabelecer uma economia baseada na sustentabilidade. Todos esses tópicos são importantes e espera-se que sejam aprofundados na versão final do programa.
Em relação às cidades, o documento fala sobre transição ecológica através de investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana, expansão do acesso à moradia de qualidade e saneamento básico. Não fica claro, entretanto, como um o Governo colocaria isto em prática – o transporte de passageiros e de cargas será eletrificado? O investimento no transporte por trilhos será ampliado? O Programa Minha Vida será o responsável pela expansão da habitação de qualidade? Qual a resposta que o Governo dará para as famílias que moram em áreas de risco climático? Claro que se trata de um detalhamento que se encaixará mais adequadamente no programa em si do que neste documento, chamado por seus formuladores de Diretrizes.
O Programa ainda fala da importância de uma reforma tributária progressiva e sustentável, mas não cita tributação de poluentes, como o gás carbônico. Aliás, não se faz menção à regulação do mercado de carbono que acabou de ser aprovada por decreto pelo atual Presidente da República e que será essencial para a transição a uma economia de baixo carbono. Por outro lado, afirma-se que o País cumprirá as metas de redução de emissão acordadas no Acordo de Paris em 2015.
No que tange a produção de alimentos, as diretrizes do programa falam sobre fomento a produção orgânica e agroecológica e garantia de uma indústria agropecuária alinhada com a sustentabilidade ambiental e social.
Em vista dos últimos retrocessos na pauta ambiental e climática no Brasil, o programa de Lula traz uma agenda positiva para essas questões – uma agenda que não é negacionista, mas propositiva. Entretanto, a superficialidade com a qual essa questão foi desenvolvida – sem propostas claras e específicas- além de poder haver contradições com objetivos de “reindustrialização” e foco na exploração de petróleo, torna o documento mais parecido com discurso político para agrado de bases eleitorais específicas do que com algo que será sistematicamente central na política pública promovida por um futuro Governo.
Para exemplificar, apesar de todas as sinalizações proativas no enfretamento da crise climática, o mesmo documento diz que o Pré-sal será “nosso passaporte para o futuro” – frase dita pela primeira vez em 2010 e que parece deslocada de um futuro em que petróleo e gás natural serão apenas parte de um passado – não tão distante.
Aguardemos a versão final.
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