Quando o sambador Guda Moreno era menino vadiando pelos caminhos da Matinha dos Pretos, a ‘Jaqueira de Vitor’, como era chamada na época, era mal-assombrada. Crianças ouviam histórias de vultos e fogo-fátuo assustando gente grande. Plantada numa curva na Estrada da Quixabeira, próxima ao povoado, sua copa fazia uma sombra noturna que despertava criatividade e medo. Naquele tempo, já era antiga na memória dos mais velhos, o que leva a crer que era uma árvore com mais de 100 anos de vida.
Uma referência etnoecológica do Quilombo. Há poucos meses, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural formatou um mapa para delimitar a área essencialmente quilombola do distrito: a Jaqueira pontua como ponto destacado nas referências da carta geográfica-cultural.
A História Ambiental ajuda a entender a relação do homem com a natureza. A Matinha, como a maior parte do município de Feira, está em área de Caatinga, o bioma mais degradado do Brasil. A expansão da pecuária, a atividade de subsistência utilizando os recursos vegetais , quase extinguiu algumas árvores nativas, como por exemplo, a candeia, uma planta que, inclusive, dá nome a um dos povoados do distrito: a Candeia Grossa.
Mas o assustador é ver que os povoados, que se urbanizam cada dia mais, crescem sem ruas arborizadas exatamente como nas cidades ignorantes da importância ambiental. No povoado da Matinha dos Pretos a arborização está concentrada na praça. Ruas e mais ruas não têm uma sombra vegetal sequer. Até o Tanque da Matinha, o primeiro reservatório do lugar, é um deserto de saudade das baraúnas que sombreavam o olho d’água.
Há quatro anos, quando vim morar na Matinha, tornou-se quase um hábito fotografar essa Jaqueira em dias de luminosidade ou não. Tenho muitos registros dela. Nunca imaginei que iria vê-la assim morta, subitamente, na manhã do dia 20 de dezembro de 2023.
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